Campos Neto passa de assíduo na agenda de Bolsonaro a ‘persona non grata’ no Planalto de Lula

No governo Bolsonaro, ele teve atuação ativa como conselheiro do Planalto, sendo consultado para temas que, inclusive, iam além da área econômica

  • Data: 17/09/2023 17:09
  • Alterado: 17/09/2023 17:09
  • Autor: Nathalia Gercina
  • Fonte: FOLHAPRESS
Campos Neto passa de assíduo na agenda de Bolsonaro a ‘persona non grata’ no Planalto de Lula

Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

Crédito:Raphael Ribeiro/BCB

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Figura presente no Palácio do Planalto sob o governo de Jair Bolsonaro (PL), o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, deixou de ser um frequentador habitual da sede da Presidência da República desde que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reassumiu o cargo, em janeiro deste ano.

No governo Bolsonaro, ele teve atuação ativa como conselheiro do Planalto, sendo consultado para temas que, inclusive, iam além da área econômica. Já no governo Lula, o comandante da autoridade monetária se tornou alvo de críticas.

Mesmo após a autonomia do BC, que passou a vigorar em fevereiro de 2021, Campos Neto continuou participando de encontros ministeriais do governo Bolsonaro e fez dezenas de reuniões bilaterais com o ex-chefe do Executivo.

De acordo com levantamento feito pela Folha de S.Paulo, foram 17 encontros do presidente do BC com Bolsonaro em 2021 (após aprovação da lei de autonomia) -cinco individuais, oito com a presença de outras autoridades e quatro reuniões ministeriais, além de algumas solenidades no Planalto.

Em 8 de março de 2021, participou de uma reunião que tinha, além do governo brasileiro, Albert Bourla, presidente da Pfizer. Campos Neto teve participação direta como intermediário na compra de vacinas contra Covid-19 produzidas pela farmacêutica.

Estava prevista até mesmo a sua participação na cerimônia de recebimento dos imunizantes em Campinas (SP), em 29 de abril daquele ano, compromisso que consta como cancelado em sua agenda.

Em 2022, ano eleitoral, os encontros individuais entre Campos Neto e Bolsonaro se intensificaram no início do ano e cessaram em maio. Entre janeiro e março, foram cinco reuniões bilaterais (e mais duas reuniões ministeriais).

Houve ainda um sexto compromisso fechado entre eles, em 4 de maio daquele ano, horas antes da reunião do Copom (Comitê de Política Monetária). Na ocasião, o colegiado do BC elevou a taxa básica de juros (Selic) em um ponto percentual, de 11,75% para 12,75% ao ano.

Essa agenda veio a público a partir de um email do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que tinha “confidencial” como título. O encontro foi incluído na agenda do Banco Central só depois.

Em entrevista à revista Veja, publicada em 25 de agosto deste ano, Campos Neto afirmou que o tema do encontro foi o Plano Safra, programa do governo federal de incentivo ao agronegócio.

“De vez em quando, Bolsonaro me chamava. Se o presidente Lula fizesse o mesmo, também iria. Horas depois daquele encontro com Bolsonaro, aliás, a gente subiu os juros em um ponto percentual, o que indica que o BC atuou de forma autônoma e assim vai continuar”, disse Campos Neto.

Esse não foi o único encontro entre Campos Neto e Bolsonaro em dia de Copom, mostra o levantamento da Folha de S.Paulo. Consta também a participação do presidente do BC em uma reunião ministerial com o chefe do Executivo no Palácio do Planalto na manhã do dia 15 de junho de 2021 -também houve alta de juros na data (de 3,5% para 4,25% ao ano).

Ao todo, foram 25 reuniões no Planalto com a presença de Bolsonaro entre fevereiro de 2021 e maio de 2022, sendo 11 encontros individuais. No período, constam ao menos nove cerimônias na sede do Executivo na agenda de Campos Neto.

Procurado pela reportagem, o BC disse que “as reuniões trataram, como é a praxe em encontros com agentes públicos, de assuntos institucionais e governamentais do momento, sem abordar temas privativos do Banco Central, e estão informadas em agenda pública.”

Gustavo Loyola, ex-presidente do BC e diretor-presidente da Tendências Consultoria, diz não ver problema no contato do presidente do Banco Central com o governo e considera que isso não afetaria a autonomia da autoridade monetária.

No entanto, pondera que o ideal é que a relação se restrinja a temas que interfiram diretamente na atuação da instituição, citando políticas de bancos públicos como exemplo.

“O presidente do Banco Central não pode se identificar com um governo no sentido de ser mais um ministro, ele perde autonomia. Tudo é questão de dose”, afirma.

“O presidente da República tem todo o direito de querer ser informado sobre o BC. Ele é o responsável maior pelo país em última análise, mas tem que ter uma dose correta desse tipo de relacionamento.”

A proximidade de Campos Neto com políticos bolsonaristas passou a ser explorada por petistas desde o início da atual administração para ampliar o desgaste do chefe da autoridade monetária.

Aos olhos de Lula, o líder da autarquia passou de “economista competente” às vésperas das eleições a “esse cidadão” ao final do primeiro mês de governo. O presidente também já declarou que o dirigente é “tinhoso” e que “não pode achar que é dono do Brasil”.

Até hoje, Campos Neto e Lula tiveram um único encontro presencial, ainda no período de transição de governo, em 30 de dezembro de 2022, no hotel onde o petista estava hospedado.

No dia 1º de janeiro deste ano, o presidente do BC esteve presente na cerimônia de posse do chefe do Executivo. Naquele dia, contudo, não passou batido entre os críticos que ele fez um “bate e volta” entre Brasília e São Paulo para participar da posse de Tarcísio de Freitas, ex-ministro da Infraestrutura no governo Bolsonaro, eleito governador de São Paulo.

Para Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC, não é “muito apropriado” um presidente de Banco Central ter uma relação muito próxima com o Poder Executivo.

“Obviamente tem que ter uma relação de respeito, o que não é o caso agora, muito mais por culpa do presidente da República do que do presidente do Banco Central”, afirma.

“O atual governo deixou muito claro que ele [Roberto Campos Neto] é ‘persona non grata’, independentemente de ter diferentes opiniões acerca da política econômica.”

Publicamente, Campos Neto diz estar à disposição de Lula para conversar. “Estou sempre aberto para discutir não só com presidente, mas com qualquer membro do governo. Às vezes tenho reuniões com alguns ministros, explico o que estou vendo, o que está acontecendo”, afirmou ele em entrevista ao site Poder360.

“Obviamente converso muito mais com o ministro Fernando Haddad [Fazenda], mas estou aberto a conversar com o presidente Lula a qualquer momento”, complementou.

De acordo com a Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência), o distanciamento de Lula não se trata de uma questão pessoal, mas de uma “discordância sobre a taxa de juros”, e a ponte do governo com Campos Neto tem sido feita pelo ministro da Fazenda.

Perguntada se o presidente do BC consta entre os convidados para solenidades realizadas no Planalto, a Secom afirmou que “em todas as cerimônias e anúncios realizados no Palácio do Planalto, a lista de convidados é definida pelo ministério proponente”.

“Cabe à pasta responsável pelo anúncio repassar a relação dos convidados para o Cerimonial da Presidência da República”, acrescentou o texto enviado pela Secom.

Designada como interlocutora do governo com o chefe da autoridade monetária, a Fazenda disse que, até o momento, “não realizou nenhum evento no Palácio do Planalto”.

Já Campos Neto, por meio de sua assessoria, afirmou que “sempre que convidado, atendeu e atenderá a convites para reuniões com autoridades do Executivo, do Legislativo e do Judiciário”. Segundo o BC, ele não recebeu novos convites para reuniões com o presidente da República.

Até o momento, não há previsão de um novo encontro presencial de Lula com Campos Neto.

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  • Data: 17/09/2023 05:09
  • Alterado:17/09/2023 17:09
  • Autor: Nathalia Gercina
  • Fonte: FOLHAPRESS









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