“A gente precisa urgentemente diminuir a transmissão do vírus”, alerta pesquisador

Transmissão descontrolada do vírus da covid-19 aumenta a chance de acumular mutações, gerando novas variantes do Sars-CoV-2 e dificultar o seu combate

  • Data: 04/03/2021 09:03
  • Alterado: 04/03/2021 09:03
  • Autor: Redação ABCdoABC
  • Fonte: Estadão Conteúdo
“A gente precisa urgentemente diminuir a transmissão do vírus”, alerta pesquisador

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A disseminação sem controle do novo coronavírus no Brasil está deixando cientistas nacionais e estrangeiros em alerta sobre o impacto que isso pode ter sobre a pandemia como um todo, em especial no surgimento de novas variantes do Sars-CoV-2. Uma preocupação é que o País se torne uma espécie de “celeiro de mutações”, dificultando ainda mais o combate à covid-19.

Quanto mais o vírus circula, e se replica dentro dos seres humanos, maior a chance de ele acumular mutações e gerar novas variantes. É um processo que faz parte da natureza desse organismo, mas é favorecido em cenários de descontrole como o que vemos no Brasil, que enfrenta o pior momento da pandemia em um ano, em meio a um relaxamento das medidas de segurança. Enquanto o número de casos e de mortes vem caindo em várias partes do mundo, aqui só tem subido.

Somente nesta quarta-feira, 3, foram registrados mais de 74 mil novos casos, o maior valor em todo o mundo, e 1.840 mortes, recorde desde o início da pandemia no País. Os Estados Unidos tiveram cerca de 60 mil novas infecções.

Nesse movimento de evolução do vírus, de vez em quando aparecem variantes muito diferentes, como é o caso da P.1, que surgiu em Manaus, e também das originadas no Reino Unido e na África do Sul. Por causa disso elas são chamadas de VOCs (variantes de preocupação, na sigla em inglês). Em geral, sabe-se que vírus, no decorrer de uma epidemia, podem apresentar de uma a duas mutações por mês. No caso da P.1 e das demais, foram cerca de 20 de uma tacada só. Por isso elas preocupam.

O motivo para isso ocorrer ainda não é bem compreendido pela ciência. São como os acidentes de avião, compara a imunologista Ester Sabino, pesquisadora do Instituto de Medicina Tropical da USP. “É uma sucessão de eventos raros. Há milhares de aviões no ar e uma hora ocorrem vários erros e um cai. Mas quanto mais aviões estiverem no ar, maior a chance. Ter 20 mutações em um mês é inesperado. Alguma coisa aconteceu e a gente não entende bem”, afirma.

A cientista – que está colaborando com estudos que buscam entender a transmissibilidade da P.1 e como ela pode escapar de anticorpos, permitindo assim a reinfecção – pondera, no entanto, que a variante só se torna um problema quando, além de adquirir muitas mutações, ganha espaço para infectar muitas pessoas.  “A P.1 é realmente mais transmissível. Se não tomar cuidado, a chance é maior de se contaminar com ela”, diz.

Ainda não há evidências para dizer se esta variante tomou conta da epidemia no Brasil nem se é a responsável pela explosão de novos casos observada na maior parte do País. Sabe-se que a P.1 é a principal linhagem em Araraquara (interior de São Paulo) e em Porto Alegre – cidades que viram seus sistemas de saúde lotarem -, e em Manaus, onde o colapso dos hospitais levou pacientes a morrerem por falta de oxigênio. Apesar do avanço das variantes, o Brasil reduziu no começo do ano o número de sequenciamentos genéticos, essencial para rastrear as cepas.

O virologista Mauricio Nogueira, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, reforça a ressalva feita por Ester de que o simples fato de a variante com mais mutações surgir não pode ser considerada a única explicação para o cenário de caos que se instalou no País. “Estamos dando oportunidade para esse acaso acontecer”, afirma ele. “É muito conveniente para a sociedade, políticos e autoridades afirmarem que a culpa é da variante mais transmissível. Como se tivessem feito tudo para conter o problema, mas a variante tomou conta da cidade. Se tivéssemos tomado as medidas de segurança, não teria acontecido. A forma de prevenir é a mesma: distanciamento social e uso de máscara. O fato é que damos toda a oportunidade do mundo para que o vírus gere a maior quantidade do mundo de mutações”, diz.

Ele explica que o surgimento das variantes é matemático. “A cada X multiplicações, vai ter mutação. Quanto mais multiplicar, mais variantes vai gerar. Agora no Brasil é onde o vírus mais está se multiplicando, é onde já há o maior número de novos casos por dia. Se essa variante tem a oportunidade de ser transmitida quando a pessoa onde a mutação surgiu pega um avião lotado, vai ao cinema, ao restaurante… aí estamos nos tornando um celeiro de variantes e distribuindo-as à vontade dentro do País”, alerta.

Para o virologista Felipe Naveca, pesquisador da Fiocruz Amazônia à frente dos estudos que mostraram a prevalência da P.1 em Manaus e como a linhagem é mais transmissível, esse é um risco que pode ocorrer onde houver o descontrole. “O Brasil e todos os países que deixaram o vírus correr solto estão sendo incubadoras de novas variantes. Relatos nesta semana apontam para mais duas prováveis novas variantes de preocupação nos Estados Unidos: na Califórnia e em Nova York. Em todos os países com esse discurso de que devemos deixar o vírus circular para dar imunidade (de rebanho), a gente está vendo o que está acontecendo”, comenta.

De acordo com o pesquisador, nos últimos três ou quatro meses houve aceleração da evolução do vírus. “Isso está claro. Não somos só nós, todos os grupos de pesquisa estão mostrando isso. O surgimento da linhagem do Reino Unido, da África do Sul e do Brasil – com algumas mutações em comum relacionadas ao escape de anticorpos e a maior transmissão – mostram que o vírus deu um salto de evolução“, diz Naveca. “Então, a chance de termos novas variantes cada vez mais adaptadas ao ser humano é muito grande se a gente continuar dando essa liberdade para o vírus. A gente precisa urgentemente diminuir a transmissão do vírus”, frisa.

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  • Data: 04/03/2021 09:03
  • Alterado:04/03/2021 09:03
  • Autor: Redação ABCdoABC
  • Fonte: Estadão Conteúdo









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