Anvisa: Especialistas celebram decisão, mas cobram do ministério estratégias de vacinação
Agência autorizou uso emergencial de Coronavac e imunizante de Oxford; logística de distribuição e definição de intervalo entre doses são desafios
- Data: 18/01/2021 07:01
- Alterado: 18/01/2021 07:01
- Autor: Redação ABCdoABC
- Fonte: Estadão Conteúdo
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Especialistas comemoraram a celeridade e a postura técnica da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ao aprovar o uso emergencial de duas vacinas – a Coronavac e o imunizante de Oxford – contra a covid-19 nesse domingo, 17. Médicos e cientistas cobraram, porém, mais transparência do Ministério da Saúde sobre a logística de distribuição de doses pelo País e as estratégias de imunização nas próximas semanas.
“Foi uma análise técnica, que apontou o que faltava e as incertezas, mas deixou bem claro que, no fundo, era uma análise de risco e benefício, como deve ser uma análise emergencial. E que os benefícios de ambas as vacinas superam muito tanto os riscos como as incertezas”, avalia Natalia Pasternak, doutora em microbiologia pela USP e presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC).
A pesquisadora acredita que a decisão da Anvisa deixou claro como o órgão é “técnico e imparcial”, frisando que ele se opôs a medidas defendidas pelo próprio presidente Jair Bolsonaro. “Os slides de aprovação das duas vacinas mostraram essa relação de risco e benefício, apontando que as vacinas são a melhor estratégia de saúde pública. Isso mostra que a Anvisa concorda com o consenso científico de que não existe tratamento precoce, indo contra as diretrizes do próprio Ministério da Saúde.” Durante a pandemia, Bolsonaro e membros do governo federal recomendaram o uso de remédios sem eficácia comprovada cientificamente contra o vírus, como a cloroquina ou a ivermectina.
“Gostei de ouvir o presidente (da Anvisa, Antonio Barra Torres) dizer que a vacina não basta e é necessário mudar o comportamento da população, mesmo lembrando que ele próprio esteve (em março) com o presidente da República em uma aglomeração pública e sem máscaras”, apontou Claudio Maierovitch, que presidiu a agência entre 2002 e 2008. Ele também frisa a importância de a diretora da Anvisa Meiruze Sousa Freitas ter afirmado que não há tratamento precoce contra o coronavírus.
Ainda segundo os especialistas ouvidos, as principais dúvidas referentes à vacinação são de responsabilidade do Ministério da Saúde. A expectativa do governo federal é iniciar nesta segunda-feira, 18, a distribuição de doses da Coronavac pelo País. Embora o governo de São Paulo já tenha começado a vacinar profissionais de saúde neste domingo, 17, a pasta prevê iniciar a campanha nacional somente na manhã de quarta, 20.
Ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI) de 2011 a 2019, a epidemiologista Carla Domingues afirma que o prazo para que qualquer vacina chegue a todos os municípios do País é de, no mínimo, 15 dias. Entretanto, defende que não é necessário esperar a distribuição atingir todas as cidades para começar a imunização. “O importante é que comece, principalmente nas capitais, porque é onde as pessoas estão adoecendo mais. Os municípios pequenos não são afetados da mesma forma.”
Conforme o ministério, na conta para definir quantas doses cada Estado recebe, há uma taxa de risco – para que os locais mais afetados recebam mais doses proporcionalmente. A pasta não indicou, no entanto, o número de doses que irá para o Amazonas nem detalhou como são feitas essas análises.
O próprio transporte das vacinas impõe outros desafios, uma vez que o acesso a algumas regiões do País precisam de logística específica. É o caso de Manaus, que sofre colapso nos hospitais pela falta de oxigênio. “O PNI tem uma pesquisa muito boa de distribuição, mas não é simplesmente pegar e receber a carga. Tem de cadastrar esses lotes, distribuir para as regiões certas e conferir o estado em que chegaram a cada ponto de distribuição. Isso demora para ser feito”, aponta Carla. “Não vai conseguir começar em três dias no País inteiro. O ministério tem que precisar qual critério vai ser usado.”
“Precisa começar a enviar essas doses antes para os lugares mais difíceis e isolados”, afirma Maierovitch, também ex-diretor de Departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis do ministério. “Mas isso tudo funciona bem e as pessoas envolvidas no processo sabem o que fazer. Acredito que toda a estrutura do PNI esteja preparada para isso. Não seria uma novidade.”
Presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Juarez Cunha diz que aumentar o intervalo entre a 1ª e a 2ª doses das vacinas, tanto do Instituto Butantã quanto da Fiocruz, é uma forma de aumentar o número de protegidos contra a covid-19. “Esses sistemas anunciados acabaram com um intervalo maior que o previsto anteriormente. No caso da AstraZeneca, especialmente, foi observado que a resposta imune nesse caso é melhor, o que significaria uma melhor eficácia.”
Ainda este mês, a Inglaterra decidiu aumentar para 12 semanas o intervalo entre as aplicações da vacina de Oxford/Astrazeneca. No evento deste domingo, a Anvisa afirmou que a segunda dose poderia ser aplicada nesse mesmo período, enquanto a do Butantã teria margem de duas a quatro semanas. “O problema é se não tivermos o quantitativo suficiente para vacinar as pessoas depois das duas ou quatro semanas”, aponta Cunha. “A epidemiologia local, principalmente com o esgotamento dos recursos de saúde, é uma estratégia que poderia ser pensada pelo Ministério, com base tanto no número de casos quanto de morte.”
Ex-ministro da Saúde, Alexandre Padilha afirma que seriam necessárias ao menos 100 milhões de doses para que os primeiros grupos prioritários fossem vacinados. No momento, o governo federal tem à disposição só 6 milhões de doses da Coronavac, após a Índia ter atrasado a entrega de outros dois milhões do imunizante produzido pela Astrazeneca/Oxford na última semana.
“O 1º grupo vacinal no mundo é de profissionais de saúde e idosos em instituições de longa permanência, que representam 14 milhões de pessoas e precisam de 28 milhões de doses. O 2º são pessoas acima de 60, mas fora das instituições de longa permanência, que formam outros 22 milhões. Já o 3º são pessoas com doenças crônicas, como pulmonares ou cardíacas, que dão outros 50 milhões”, explica Padilha. “Além disso, tem os profissionais de serviços essenciais como educação, segurança, situação em privação de liberdade, que formam mais 30 milhões.”